quarta-feira, 27 de julho de 2016

10 anos de lesão medular

Após o acidente, essa foi a marca da freada
24 de julho de 2006. Aos 32 anos, depois de uma discussão com a ex namorada, o cara vai saindo de Viçosa em direção a Belo Horizonte, quando vê na loja de um amigo uma moto amarela, esportiva, convidando a uma voltinha. Aproveitando que está cedo e não tem pressa para chegar, resolve parar para trocar ideia com o pessoal e pede para dar uma volta na moto. Com experiência em pilotagem, não acredita que correrá muito risco, mesmo se der uma aceleradinha. Aproveitando que é época de férias, vai para a Universidade Federal, onde há longas retas, que estão vazias em plena segunda feira à tarde. Como pretende acelerar, vai para a reta mais afastada, verifica em volta se não há movimento, e acelera forte. Primeira, segunda, terceira, e já passa de cem por hora. Quarta, quinta, e ao entrar a sexta marcha olha para baixo para conferir a velocidade: 140 km/h. Em um piscar de olhos olha para a frente, e um pequeno trator, com carretinha e tudo, atravessa de repente na sua frente. Sem ter o que fazer, aperta forte os freios. A moto rabeia, e como está com pneus lisos, não parece que vai parar. O cara tenta se separar da máquina, e começa a deitá-la - é o procedimento correto nesses casos. Só que o pneu liso tem uma quina - não é arredondado como outros - e esta quina pegou no asfalto e fez efeito alavanca, jogando a moto - e o piloto - para cima. O cara voa por cima da moto, em um mergulho direto para o asfalto. O peso do corpo sobre a cabeça - com aproximadamente 600 kg (cálculo de acordo com a velocidade e o peso) esmaga a vértebra T2, paralisando imediatamente o corpo todo dos mamilos para baixo.
A moto que me mudou minha vida. Ao fundo, o capacete que salvou minha vida
Esse cara sou eu! Estava de férias do mestrado na UFSC, em Florianópolis, sofri o acidente e não voltei mais para lá. E minha vida mudou radicalmente. Pensa bem, eu morava em um lugar lindo, estava só estudando, voltando a curtir vida de estudante, estava solteiro, curtindo balada, fazia esportes todo dia - o carro ficava na garagem, eu ia pedalando para Universidade todo dia, fazia trilha nos fins de semana, trekking, viajava pela região nos fins de semana, tinha feito muitos novos amigos, enfim, estava curtindo demais, e de repente caí numa cama de hospital com o corpo todo paralisado e nenhuma perspectiva de me recuperar. Era para entrar em depressão, certo? Errado. Quando percebi que a situação era irreversível, que teria que me adaptar a um monte de coisa, tratei de correr atrás logo. Fui para o Hospital Sarah Kubitchek, referência em reabilitação no Brasil, aprendi tudo que pude e fui me informar sobre as possibilidades da vida na cadeira. Mas afinal, como fiz para superar?
No hospital, todo estrupiado. Mas feliz, por estar vivo.
A primeira coisa que fiz para dar a volta por cima foi entender e aceitar a situação. A probabilidade de andar era mínima, então desencanei imediatamente de voltar a andar, pois se isso acontecesse seria lucro. Não ia adiantar nada ficar desesperado para voltar a andar, buscar mil e um tratamentos ou rezar para tudo quanto é santo. Sempre fui otimista e prático. Se era para ser cadeirante, seria o cadeirante mais bem humorado e de bem com a vida. Porque não era uma cadeira de rodas que iria mudar quem eu era. Claro que tem obstáculo, tem hora que a gente passa raiva, mas o segredo é não se deixar abalar. Isso eu sei fazer como ninguém.
O fato é que não penso hora nenhuma em voltar a andar. Juro. Desde o início. Tem gente que vai me trucar "ah, você vive postando nas redes sociais os tratamentos, alternativas de voltar a andar, etc, etc., então deve ficar pesquisando." Negativo operante. Não gasto um minuto do meu dia pensando em voltar a andar, procurando tratamento, nada disso. Há muitos anos coloquei um alerta do Google para meu email com algumas palavras chave como "célula troco", "deficiente", "cadeirante", etc, aí recebo emails quando aparece alguma coisa. Dou uma lida rápida para ver se não é falso e publico. Porque sei que tem gente que se preocupa com isso e quer saber o que está acontecendo.
No logo do blog, um pouco do que realizei desde a lesão.
E como vai minha vida hoje? Nesses dez anos, realizei todos os sonhos que eu tinha antes de sofrer a lesão, e outros sonhos que foram surgindo ao longo do tempo. Aos 32, antes da lesão, eu queria acabar o mestrado e buscar um bom emprego, em que eu pudesse fazer o que gosto - o emprego que tenho hoje, é o melhor que já tive na vida. Eu queria muito conhecer outros países, nesse meio tempo fui aos EUA, quatro países da Europa e Argentina - esse era o único que eu já conhecia. Sempre gostei de fazer esportes, como ciclismo, mergulho, trekking, paraquedismo, kart e voltei a fazer tudo isso, adaptado. Eu sempre gostei de sair com meus amigos, gosto de conhecer gente nova, fazer novos amigos, hoje tenho muito mais amigos que na época, muitos deles cadeirantes como eu. Queria encontrar uma mulher para formar uma família. No ano seguinte ao da lesão, eu e Gi nos entendemos e iniciamos nosso relacionamento. Esse ano, tivemos um casal de gêmeos. Tudo, absolutamente tudo que quis fazer, eu fiz. E a cadeira não me impediu de nada. É o que quero que as pessoas entendam. Qual a diferença entre quem eu sou hoje e quem eu era antes da lesão? A forma como me locomovo! O resto a gente corre atrás, adapta, resolve e vai ser feliz. Porque a vida continua!
Vejam o vídeo abaixo, sobre os dez anos.

6 comentários:

  1. Meu acidente foi moto também, deixei de ir numa festa, pra não faltar na faculdade aí desequilibrei num pedaço de borracha de uma placa lesão na C5 e aqui estou tetraplégico há 2 anos, mas com sensibilidade em boa parte e tenho a sensação de ter sido concretado dentro de um bloco, sinto a força que faço mas sem resposta dos dedos pernas e mãos
    tem sido complicado
    Parabéns pelo blog, me ajudou a compreender melhor muitas coisas!

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  2. Tb acho que ser feliz é menos complicado do que reclamam por aí. Mas não posso deixar de parabenizá-lo, afinal ser feliz é uma arte e das mais lindas, envolve decisão, criatividade, ação, habilidades, pausa, observação e acima de tudo vontade!

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  3. Olá, achei seu blog por um acaso, pois meu irmão de 18 anos ficou paraplégico há pouco mais de dois meses. Ainda não sabemos lidar muito com isso. Ele tem vergonha de sair de casa e quase não sai do quarto, até porque ainda usa fraldas geriátricas. Você teria alguma dica de como ajuda-lo a se aceitar e voltar a ter uma vida social? Por favor, quero muito ajudá-lo.

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  4. Oi fazendo pesquisas sobre lesão medular achei esse blog e estou adorando, tenho uma namorado de 23 anos q sofreu um assalto e levou um tiro no pescoço acertando a C5 o deixando tetraplégico, a 1 ano e 5 meses,o conheci depois do ocorrido sempre temos relação sexual e a rigidez do pênis no começo durava muito, mais de uns dias pra cá ja nao está mais assim fika muito pouco, ele vive falando q não está mais sentido desejo sexual, não está mais com vontade. Fico triste por não saber se o problema é alguma coisa cmg, por favor me ajudem oq eu posso fazer pra ajudar pra melhorar pra ele e pra mim? Por favor preciso de ajuda não sei oq fazer.

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  5. Oi, leio seu blog pelo meu pai que tem 84 anos e ficou hemiplégico após um AVE. Muito legal seu blog e suas experiências e depoimentos! Ano passado usei suas experiências para programar uma viagem comeu pai na Europa. Mas ela não ocorreu, estou pensando em ir em 2017. Fiz um comentário no seu post sobre Trem na Europa. Aliás muito engraçado!!! Ri muito. Tenho dúvidas sobre como lidar com as malas, se temos que empurrar a cadeira. Será que você poderia explicar???? Era do você e a Gi, como faziam pata se locomover com mala????? Abraços, na família! Adoro seu blog.

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    1. Oi Marluci, desculpe a demora, respondi lá no post - http://www.blogdocadeirante.com.br/2015/03/cadeirante-viajando-de-trem-pela-europa_10.html

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